Autor: Sabrina Sasso Nobre
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A Teoria da Mente é um conceito central na psicologia do desenvolvimento e na psicologia cognitiva, refere-se à capacidade de atribuir estados mentais (crenças, intenções, desejos, emoções, conhecimento) a si mesmo e aos outros, e de compreender que esses estados mentais podem ser diferentes dos nossos e influenciar o comportamento. Essa habilidade complexa é fundamental para a interação social bem-sucedida, permitindo-nos prever, explicar e interpretar as ações dos outros, bem como navegar em situações sociais complexas.

Essa teoria propõe que o conhecimento é tanto representacional quanto subjetivo, o que significa que as pessoas não apenas “espelham” a realidade, mas constroem interpretações mentais sobre ela. Essas representações podem variar em precisão, sendo tanto fiéis à realidade quanto distorcidas.

  • Crenças Falsas: Um dos marcos no desenvolvimento da teoria da mente é a compreensão de crenças falsas, demonstrada classicamente pela tarefa de Sally-Anne. Nesse experimento, Sally coloca uma bolinha em uma cesta e sai. Enquanto isso, Anne move a bolinha para uma caixa. Quando Sally retorna, onde ela procurará a bolinha? Crianças com a teoria da mente desenvolvida compreendem que Sally procurará na cesta, pois ela acredita (falsamente) que a bolinha ainda está lá. Essa compreensão demonstra a capacidade de reconhecer que outras pessoas podem ter crenças diferentes da realidade e que essas crenças, mesmo que falsas, guiam seu comportamento.
  • Conhecimento como Representação: A teoria da mente requer a compreensão de que o conhecimento não é um espelho direto da realidade, mas uma representação mental construída individualmente. Isso significa que podemos ter conhecimento incompleto, impreciso ou até mesmo errado sobre o mundo, e que outras pessoas podem ter perspectivas diferentes das nossas. Essa compreensão é fundamental para a negociação, a persuasão e a resolução de conflitos.

Ao longo das décadas, diferentes linhas teóricas buscaram explicar como a teoria da mente se desenvolve e como ela é implementada no cérebro.

Teoria da Teoria (Theory-Theory – TT): A Teoria da Teoria propõe que as crianças desenvolvem a teoria da mente construindo teorias sobre como a mente funciona, de forma semelhante à como os cientistas constroem teorias sobre o mundo físico. Segundo essa perspectiva, as crianças observam o comportamento dos outros, formulam hipóteses sobre os estados mentais subjacentes e testam essas hipóteses para refinar sua teoria da mente ao longo do tempo.

A TT enfatiza que o desenvolvimento da teoria da mente é um processo ativo de construção de conhecimento, análogo ao processo científico. As crianças não nascem com uma teoria da mente completa, mas a constroem gradualmente por meio da observação, experimentação e revisão de suas teorias iniciais.

Teoria da Simulação (Simulation Theory – ST): A Teoria da Simulação argumenta que entendemos a mente dos outros simulando mentalmente seus estados mentais. Em vez de construir teorias explícitas sobre a mente, nós nos colocamos no lugar do outro e usamos nossos próprios mecanismos cognitivos para gerar estados mentais que seriam consistentes com a situação e o comportamento da outra pessoa.

A ST propõe que usamos nossa própria mente como um modelo para entender a mente dos outros. Simulamos seus pensamentos, sentimentos e intenções como se fossem nossos, e usamos essa simulação para prever e explicar seu comportamento.

A descoberta dos neurônios-espelho, que são ativados tanto quando realizamos uma ação quanto quando observamos outra pessoa realizando a mesma ação, forneceu um suporte neurofisiológico para a ST. Alguns pesquisadores argumentam que os neurônios-espelho podem ser a base neural da simulação mental.

 

Teoria Modular: A teoria modular propõe que a teoria da mente é um sistema cognitivo especializado, localizado em áreas específicas do cérebro, que opera de forma relativamente independente de outros processos cognitivos. Essa perspectiva defende a existência de um “módulo da Teoria da Mente” inato ou que se desenvolve precocemente, responsável por processar informações sobre estados mentais.

Estudos de neuroimagem têm identificado várias áreas do cérebro que são consistentemente ativadas durante tarefas de teoria da mente, como o córtex pré-frontal medial (MPFC), a junção temporoparietal (TPJ) e o sulco temporal superior (STS).

A teoria modular argumenta que a teoria da mente é um sistema cognitivo especializado, projetado especificamente para processar informações sobre estados mentais. Isso significa que a teoria da mente não é apenas um subproduto de outras habilidades cognitivas, como inteligência geral ou linguagem, mas sim uma capacidade distinta e essencial para a interação social.

 

Abordagens Socioculturais: As abordagens socioculturais enfatizam o papel da interação social e da cultura no desenvolvimento da teoria da mente. Essas perspectivas argumentam que as crianças aprendem sobre a mente por meio de suas interações com outras pessoas, especialmente com seus pais e cuidadores.

A linguagem desempenha um papel fundamental no desenvolvimento da teoria da mente. As crianças aprendem sobre estados mentais ouvindo e participando de conversas sobre pensamentos, sentimentos e intenções. As narrativas, como contos de fadas e histórias, também são importantes para o desenvolvimento da teoria da mente, pois apresentam personagens com diferentes perspectivas e motivações.

As culturas podem variar em suas concepções sobre a mente e em suas práticas de socialização. Algumas culturas podem enfatizar a importância da harmonia social e da compreensão das emoções dos outros, enquanto outras podem valorizar a autonomia individual e a expressão dos próprios pensamentos e sentimentos. Essas diferenças culturais podem influenciar o desenvolvimento da teoria da mente.

A compreensão da teoria da mente tem importantes implicações clínicas, especialmente para transtornos como o autismo, a esquizofrenia e o transtorno de personalidade borderline, nos quais as dificuldades na teoria da mente são frequentemente observadas. Para compreendermos:

  • Autismo: Uma das características centrais do autismo é a dificuldade na interação social e na comunicação. Pesquisas têm demonstrado que muitas pessoas com autismo apresentam dificuldades na teoria da mente, o que pode explicar suas dificuldades em compreender as intenções dos outros, interpretar pistas sociais e participar de interações sociais recíprocas.
  • Esquizofrenia: A esquizofrenia é um transtorno mental grave que afeta o pensamento, as emoções e o comportamento. Alguns sintomas da esquizofrenia, como delírios de perseguição e dificuldades em reconhecer as emoções dos outros, podem estar relacionados a déficits na teoria da mente.
  • Transtorno de Personalidade Borderline: Indivíduos com transtorno de personalidade borderline frequentemente apresentam dificuldades em regular suas emoções e em manter relacionamentos estáveis. Essas dificuldades podem estar relacionadas a déficits na teoria da mente especialmente na capacidade de compreender e responder às emoções dos outros.

Logo, a teoria da mente é uma habilidade cognitiva essencial para a interação social bem-sucedida e para a compreensão do mundo social. Sua relação com a epistemologia nos permite entender como o conhecimento é construído e como as crenças, mesmo que falsas, influenciam o comportamento. As diferentes linhas teóricas sobre a teoria da mente oferecem perspectivas complementares sobre como essa habilidade é construída.

REFERÊNCIAS

Jou, G. I. de ., & Sperb, T. M.. (1999). Teoria da Mente: diferentes abordagens. Psicologia: Reflexão E Crítica, 12(2), 287–306. https://doi.org/10.1590/S0102-79721999000200004

Santos, Tereza. (2022) Teoria da Mente: Compreendendo as intenções dos outros. Disponível em https://www.invivo.fiocruz.br/saude/teoria-da-mente/