Autor: Sabrina Sasso Nobre
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A insônia é um dos principais sintomas da fase maníaca do transtorno afetivo bipolar, impactando significativamente o curso da doença e a qualidade de vida dos pacientes. A redução ou ausência de sono nesse estado pode ser compreendida por meio de abordagens neurológicas, psiquiátricas e psicológicas. Do ponto de vista neurológico, a mania está associada a alterações na estrutura do sono e na atividade de neurotransmissores responsáveis por sua regulação. Durante esse período, a necessidade de descanso diminui drasticamente, e o indivíduo pode dormir poucas horas sem sentir fadiga, despertando com elevada energia e impulsividade. Em casos mais extremos, pode ficar dias sem dormir, intensificando os sintomas da mania.

Em indivíduos maníacos, observa-se uma significativa diminuição do sono de ondas lentas (SOL), também conhecido como sono profundo, crucial para a restauração física e cognitiva. Além disso, há uma latência reduzida para o sono REM (Rapid Eye Movement), a fase do sono associada aos sonhos e ao processamento emocional. Essa alteração sugere uma hiperativação do sistema nervoso central, dificultando a transição para o sono reparador. A regulação do ciclo sono-vigília é orquestrada por uma complexa interação de neurotransmissores, e a mania está intrinsecamente ligada a desequilíbrios nesse sistema:

  • Dopamina: Níveis elevados de dopamina são consistentemente observados durante a mania. A dopamina desempenha um papel fundamental na recompensa, motivação e atividade motora. O aumento da dopamina pode levar a uma sensação de energia ilimitada e redução da necessidade de sono.
  • Serotonina: Embora a serotonina seja geralmente associada à promoção do sono e à estabilização do humor, sua função na mania é mais complexa. Em alguns casos, pode haver uma diminuição da sensibilidade dos receptores de serotonina, contribuindo para a desregulação do sono.
  • Noradrenalina: A noradrenalina está envolvida na atenção, alerta e resposta ao estresse. Durante a mania, níveis elevados de noradrenalina podem contribuir para o aumento da vigília e a dificuldade em relaxar para dormir.
  • GABA: O GABA (ácido gama-aminobutírico) é o principal neurotransmissor inibitório do cérebro, essencial para promover o sono e reduzir a excitabilidade neuronal. A diminuição da atividade do GABA tem sido implicada na mania, permitindo que a atividade cerebral permaneça em um estado de hiperativação.

Do ponto de vista psiquiátrico, a insônia na mania é considerada um sintoma central que contribui para a manutenção e exacerbação do episódio maníaco. A insônia ou diminuição da necessidade de sono está incluída nos critérios diagnósticos para mania no DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais). A falta de sono não é apenas uma consequência da mania, mas também um fator que pode perpetuar o ciclo maníaco, agravando outros sintomas como a grandiosidade, a impulsividade e a agitação.

A privação de sono pode induzir sintomas semelhantes aos da mania em indivíduos saudáveis, como aumento da energia, irritabilidade e dificuldade de concentração. Em pacientes com Transtorno Bipolar, essa privação agrava ainda mais os sintomas, criando um ciclo vicioso: a falta de sono intensifica a mania, enquanto a mania dificulta o sono. Um estudo mostrou que, após uma noite sem dormir, pacientes bipolares que tiveram uma noite completa de descanso ou receberam medicação estabilizadora de humor apresentaram diferentes reações. Aproximadamente 4,85% desenvolveram sintomas maníacos, enquanto 5,83% manifestaram sinais de hipomania, evidenciando a forte relação entre sono e regulação do humor.

A insônia na mania tem um impacto devastador no funcionamento diário do paciente. A falta de sono afeta a capacidade de concentração, tomada de decisão, memória e regulação emocional. Isso pode levar a dificuldades no trabalho, nos relacionamentos e em outras áreas importantes da vida.

Sob uma ótica psicológica, a insônia na mania está ligada a processos cognitivos e comportamentais que dificultam o relaxamento e a transição para o sono.

Durante a mania, os pacientes frequentemente experimentam pensamentos acelerados e uma torrente de ideias. Essa “fuga de ideias” torna difícil desligar a mente e relaxar para dormir. A mente está constantemente ativa, processando informações e gerando novos pensamentos, o que impede o sono.

A hiperatividade psicomotora é outro sintoma proeminente da mania. Os pacientes podem sentir uma necessidade irresistível de se movimentar, falar e realizar atividades, o que dificulta a permanência na cama e o relaxamento necessário para o sono.

Durante a mania, os pacientes podem não perceber ou negar a fadiga física e mental. Eles podem se sentir energizados e invencíveis, acreditando que não precisam de sono ou que podem funcionar perfeitamente sem ele. Essa negação da fadiga pode levar a uma maior privação de sono e a um agravamento dos sintomas maníacos.

Em suma, a insônia na mania é um fenômeno complexo que resulta da interação de fatores neurológicos, psiquiátricos e psicológicos. Compreender essa interação é fundamental para desenvolver estratégias de tratamento eficazes. Uma abordagem integrada deve incluir: Medicamentos, psicoterapia, higiene do sono, cronoterapia, etc.

Ao abordar a insônia na mania de forma abrangente, é possível melhorar a qualidade de vida dos pacientes, reduzir o risco de recaídas e promover a estabilidade do humor a longo prazo.

Referências

Instituto de Psiquiatria do Paraná. O sono no Transtorno Afetivo Bipolar. Disponível em https://institutodepsiquiatriapr.com.br/blog/o-sono-no-transtorno-afetivo-bipolar/

Melo, Danilo. Como o transtorno Bipolar afeta o sono? Disponível em https://danilodemelo.com.br/como-o-transtorno-bipolar-afeta-o-sono/#:~:text=minuto%20de%20leitura-,Como%20o%20transtorno%20bipolar%20afeta%20o%20sono?,e%20ter%20uma%20noite%20tranquila