Autor: Sabrina Sasso Nobre
Últimos posts por Autor: Sabrina Sasso Nobre (exibir todos)

Sabrina Sasso Nobre

Mestre em Psicologia Clínica

As pessoas possuem uma forma única e singular de experimentar o mundo, o poema a seguir reflete esta singularidade. Por exemplo, eu olho para uma cebola e continuo vendo uma cebola rrrsssssss (pois é, parece que não sou muito criativa), já Pablo Neruda olha para uma cebola e cria um poema que emociona o leitor. O Poeta consegue ver o mundo desde sua complexidade, já que esse é mais que aparenta ser, pode ser extraordinário se olharmos além da superfície, assim como a cebola pode ser muito mais que um elemento utilizado na culinária. Todos possuímos a capacidade de ver o mundo com riqueza, porém, é necessário estarmos dispostos a sentir, a abrir a mente e romper com as barreiras que limitam nosso forma de ver o ambiente que nos rodeia.

A escolha é sempre de cada sujeito.

 

 
ODE À CEBOLA
Pablo Neruda
 
Cebola, luminosa
redoma, pétala a
pétala
se formou a tua formosura, escamas de cristal te acrescentaram e no segredo da terra escura
se arredondou o teu ventre de orvalho. Sob a terra
foi o milagre
e quando apareceu
o teu torpe talo verde,
e nasceram
as tuas folhas como espadas no quintal, a terra acumulou o seu poderio mostrando a tua nua transparência,
e como em Afrodite o mar remoto duplicou a magnólia levantando os teus seios,
a terra assim
te fez,
cebola,
clara como um planeta, e destinada
a reluzir, constelação constante, redonda rosa de água, sobre
a mesa
das pobres gentes.
Generosa
desfazes
o teu globo de frescura
na consumação
fervente da panela,
e a tira de cristal
ao calor aceso do azeite
se transforma em encrespada pena de ouro.
Também recordarei como fecunda a tua influência o amor da salada,
e parece que o céu contribui
te dando fina forma de granizo celebrando a tua claridade picada sobre os hemisférios de um tomate.
Mas ao alcance
das mãos do povo, regada com azeite, pulverizada
com um pouco de sal, matas a fome
do peão no duro caminho.
 
Estrela dos pobres,
fada madrinha embrulhada
em delicado papel, sais
do solo, eterna, intacta,
pura como semente de
astro,
e ao te cortar
a faca na cozinha
sobe a única lágrima
sem dor.
Fizeste-nos chorar sem nos afligir. Tudo quanto existe celebrei, cebola; mas para mim és
mais formosa que uma ave
de penas cegadoras,
és para os meus olhos globo celeste, taça de platina, dança imóvel
de anêmona nevada
e vive a fragrância da terra na tua natureza cristalina.
 
 
 
Foto: Sabrina Sasso Nobre